GESTALT
Por Andrija Almeida
Influências
teóricas e precursores da Psicologia da Gestalt
As bases conceituais do
enfoque da unidade da percepção na Psicologia da Gestalt
fundamentam-se nas ideias do filósofo alemão Immanuel Kant. Para este autor,
“quando percebemos o que chamamos de objeto, encontramos os estados mentais que
parecem compostos de partes e pedaços” (SCHULTZ; SCHULTZ, 2005, p. 319).
Entretanto, na perspectiva de Kant, a percepção consiste em uma organização
ativa dos elementos e se constitui uma experiência coerente.
Além de Kant, a
fenomenologia também exerceu influência teórica sobre a Gestalt. Contudo, em função
das pesquisas desenvolvidas no campo da psicofísica, mormente com estudos sobre
as sensações (o dado psicológico) de espaço-forma e tempo-forma (o dado
físico), o físico Ernst Mach
(1838-1916) e o filósofo e psicólogo Christian von Ehrenfels (1859-1932) são
considerados antecessores diretos da Psicologia da Gestalt (BOCK;FURTADO;TEIXEIRA,
2001).
Com base nos estudos
psicofísicos que relacionaram a forma e sua percepção, Max Wertheimer
(1880-1943), Wolfgang Köhler (1887-1967) e Kurt Koffka (1886-1941)
estabeleceram os fundamentos de uma teoria eminentemente psicológica acerca da
percepção e da sensação do movimento, sendo considerados os fundadores da
Psicologia da Gestalt (BOCK;FURTADO;TEIXEIRA,
2001).
Conceitos fundamentais
- Percepção
A percepção consiste em um
dos temas centrais da teoria gestaltista
e uma das bases de refutação aos princípios do Behaviorismo, sobretudo no que
se referes à relação de causa e efeito entre o estímulo e a resposta.
Em contraposição à abordagem behaviorista,
para a Gestalt não há relação de causa e efeito entre o estímulo e a resposta,
posto que entre o estímulo fornecido pelo meio e a resposta do indivíduo,
situa-se o processo de percepção. Desse modo, baseando-se na teoria do isomorfismo, a
Gestalt argumenta que o comportamento
precisa ser estudado nos
seus aspectos mais globais, considerando as condições que modificam a percepção
do estímulo (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001).
Na
perspectiva da psicologia da Gestalt, o cérebro é um sistema dinâmico no qual
os elementos ativos interagem em determinada circunstância por meio de
processos que ultrapassam a associação mecânica (SCHULTZ; SCHULTZ,
2005). Desse modo, Wertheimer apresenta
os princípios de organização perceptual da Psicologia da Gestalt que, segundo o autor, estão presentes nos próprios
estímulos:
a) Proximidade: os elementos mais próximos no tempo e no espaço
tendem a ser agrupados e percebidos juntos;
b) Continuidade: há
uma tendência de a percepção humana conectar os elementos de modo que eles
pareçam ser contínuos e fluir em uma direção determinada;
c) Semehança: as
partes semelhantes tendem a ser vistas e agrupadas juntas, formando um grupo;
d) Preenchimento: há
uma tendência de nossa percepção em completar as figuras e de preencher as
lacunas a fim de garantir a sua compreensão;
e) Simplicidade: existe
uma tendência de percebermos a figura como tendo boa qualidade sob as condições
do estímulo. Essa característica é denominada pela Gestalt de boa forma
(SCHULTZ; SCHULTZ, 2005);
f) Figura/fundo: há
uma tendência de organizar as percepções do objeto visto (figura) e do fundo
(base) sobre o qual ele aparece (SCHULTZ; SCHULTZ, 2005).
- Meio
geográfico e meio comportamental
Para os gestaltistas, o
comportamento está relacionado à percepção do estímulo e, neste sentido,
submete-se à lei da boa-forma. Na Psicologia da Gestalt, o conjunto de
estímulos determinantes do comportamento é chamado meio ou meio ambiental,
que pode ser classificado em dois tipos (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA,
2001):
a) meio geográfico: consiste no
meio enquanto tal,ou seja, o meio físico
em termos objetivos;
b) meio comportamental: decorre da interação do
indivíduo com o meio físico e implica a interpretação desse meio através das
forças que regem a percepção (equilíbrio, simetria, estabilidade e
simplicidade).
- Campo
psicológico
O campo psicológico é compreendido como um campo de força que
auxilia na busca da boa-forma. Desse modo, caracteriza-se por “uma tendência
que garante a busca da melhor forma possível em situações que não estão muito
estruturadas” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001, p.63).
- Insight
A Psicologia da Gestalt compreende a aprendizagem como a
relação entre todo-parte, que envolve a reorganização do ambiente psicológico
do indivíduo (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001; SCHULTZ; SCHULTZ, 2005). Dentro desta perspectiva que considera os
aspectos globais do comportamento, Köhler realizou estudos que destacaram
evidências acerca do que denominou insight
(compreensão ou percepção imediata da relação figura-fundo).
A
teoria de campo de Kurt Lewin
Lewin redefine algumas das
posições da Gestalt, passando a considerar as necessidades humanas, a
personalidade e as influências sociais na análise do comportamento (SCHULTZ;
SCHULTZ, 2005). Desse modo, um dos conceitos fundamentais de Lewin é o do espaço vital, definido pelo autor como
“a totalidade dos fatos que determinam o comportamento do indivíduo num certo
momento” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001, p.65).
Outra categoria relevante
para Lewin é a de “campo psicológico”, que é compreendido como
o espaço de vida em sua dinamicidade, onde a totalidade de fatos coexistentes e
mutuamente interdependentes é considerada na explicação do comportamento de um
indivíduo.
Lewin ainda trabalha com a
noção de “realidade fenomênica” que
se refere à maneira particular como o indivíduo interpreta uma determinada
situação. De acordo com Bock; Furtado; Teixeira (2001), o conceito abrange
aspectos relacionados à percepção (enquanto fenômeno psicofisiológico), às
características de personalidade do indivíduo, aos componentes emocionais
ligados ao grupo e à situação vivida, bem como inclui situações passadas e que
se vinculam ao acontecimento por meio das representações atuais no espaço de
vida dos indivíduos. Além da análise do comportamento individual, Lewin criou o
conceito de campo social para a compreensão do comportamento coletivo e,
assim, impulsionou o desenvolvimento da psicologia social.
Contribuições
da Psicologia da Gestalt
Entre as principais
contribuições dos gestaltistas à
Psicologia, destacam-se as influências tocantes às abordagens da percepção, da
aprendizagem, do pensamento, da personalidade, da psicologia social e da
motivação (SCHULTZ; SCHULTZ, 2005). Além
disso, há desdobramentos da Psicologia da Gestalt
na arte, na publicidade e no design.
Críticas
à Psicologia da Gestalt
Entre as críticas à
Psicologia da Gestalt, destacam-se as
dos psicólogos experimentais direcionadas à “baixa cientificidade” dos conceitos
básicos utilizados pelos gestaltistas.
Por outro lado, outros psicólogos salientam a ênfase da Gestalt na teorização em detrimento das pesquisas empíricas.
(SCHULTZ; SCHULTZ, 2005).
Contudo, Schultz e Schultz (2005) assinalam
que tais críticas estão relacionadas a uma perspectiva de ciência experimental
fundada em produção de dados quantificáveis e passíveis de análises
estatísticas. Segundo os autores, a maioria das pesquisas da Gestalt tem caráter exploratório e
investigou processos psicológicos a partir de uma abordagem fenomenológica.
Filmes
indicados
- Ponto
de Vista (Direção: Peter Travis, EUA, 2008)
O presidente dos Estados
Unidos, Ashton (William Hurt), participará de uma conferência mundial sobre o
combate ao terrorismo em Salamanca, na Espanha. Thomas Barnes (Dennis Quaid) e
Kent Taylor (Matthew Fox) são os agentes do Serviço Secreto designados para
protegê-lo durante o evento. Entretanto logo em sua chegada o presidente é
baleado, o que gera um grande tumulto. Na multidão que assiste ao atentado está
Howard Lewis (Forest Whitaker), um turista americano que estava gravando tudo
para mostrar aos filhos quando retornasse para casa. A partir da perspectiva de
diversos presentes no local antes e depois do atentado é que se pode chegar à
verdade sobre o ocorrido. (Disponível em: <http://www.interfilmes.com/filme_17194_ponto.de.vista.html>.
Acesso em: 24 de abril 2012)
- Rashomon (Direção: Akira Kurosawa, Japão, 1951)
Quatro
testemunhas descrevem um estupro e assassinato, entre eles o próprio criminoso
(Toshiro Mifune) e, através de um médium (Fumiko Honma), também a vítima. A
história se desvela em flashbacks conforme os quatro personagens — o próprio
bandido, o samurai assassinado Kanazawa-no-Takehiro (Masayuki Mori), sua esposa
Masago (Machiko Kyō) e o lenhador sem nome (Takashi Shimura) — recontam os eventos
de uma tarde em um bosque.
- Vida de solteiro (Direção: Cameron Crowe, 1992.)
Foca no curso dos
romances de dois casais, assim como as vidas amorosas de seus amigos e
associados. Centra ao redor das vidas de um grupo de jovens, a maioria com seus
20 anos, vivendo em um bloco de apartamentos, e é dividido em capítulos. Os
eventos do filme foram situados tendo como cortina de fundo Seattle e o movimento grunge na cidade durante o começo dos anos 90.
Texto
complementar
Chaves
da vaguidão - Fernando Sabino
Era um bar da moda naquele tempo em Copacabana e eu
tomava meu uísque em companhia de uma amiga. O garçom que nos servia, meu velho
conhecido, a horas tantas se aproximou:
– Não leve a mal eu sair agora, que está na minha
hora, mas o meu colega ali continuará atendendo o senhor.
Ele se afastou, e eu voltei ao meu estado de
vaguidão habitual.
Alguns minutos mais tarde, vejo diante de mim
alguém que me cumprimentava cerimoniosamente, com um movimento de cabeça:
– Boa noite, Dr. Sabino.
Era um senhor careca, de óculos, num terno preto de
corte meio antigo. Sua fisionomia me era familiar, e embora não o identificasse
assim à primeira vista, vi logo que devia se tratar de algum advogado ou mesmo
desembargador de minhas relações, do meu tempo de escrivão. Naturalmente
disfarcei como pude o fato de não estar me lembrando de seu nome, e me ergui,
estendendo-lhe a mão:
– Boa noite, como vai o senhor? Há quanto tempo!
Não quer sentar-se um pouco?
Ele vacilou um instante, mas impelido pelo calor de
minha acolhida, acabou aceitando: sentou-se meio constrangido na ponta da
cadeira e ali ficou, erecto, como se fosse erguer-se de um momento para outro.
Ao observá-lo assim de perto, de repente deixei cair o queixo: sai dessa agora,
Dr. Sabino! Minha amiga ali do lado, também boquiaberta, devia estar achando
que eu ficara maluco.
Pois o meu desembargador não era outro senão o
próprio garçom – e meu velho conhecido! – que nos servira durante toda a noite
e que havia apenas trocado de roupa para sair. (…)
REFERÊNCIAS
BOCK, Ana Mercês Maria; FURTADO, Odair;
TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias:
uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo: Saraiva, 2001.
SCHULTZ, Duane
P.: SCHULTZ, Sydney Ellen. Psicologia da Gestalt. In: _____. História da Psicologia Moderna. São
Paulo: Pioneira Thomson Lerning, 2005. p. 316-344.
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